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O Néctar da Devoção
Ricardo Mário Gonçalves
Prof. Livre-Docente de História Oriental
da Universidade de São Paulo
O Néctar da Devoção, A Ciência Completa da Bhakti-yoga (compre aqui), trata-se de um livro importantíssimo, que expõe metodicamente a fenomenologia de bhakti,
ou amor divino, aspecto da tradição hinduísta geralmente negligenciado
pelos pesquisadores e intérpretes ocidentais do pensamento oriental.
Em O Néctar da Devoção, o devoto vaisnava
encontrará um guia seguro para suas práticas devocionais, um verdadeiro
roteiro para sua viagem mística ao encontro da sublime teofania de
Krsna — a suprema manifestação da Personalidade Divina, de acordo com a
tradição teológica vaisnava. Entretanto, o livro não interessa
apenas aos devotos; sua leitura será de muito proveito também para
todos os que se interessam pelo estudo científico das religiões em
diferentes abordagens.
O
psicólogo das religiões e o antropólogo encontrarão uma importante
exposição metódica dos diferentes sintomas físicos e psíquicos
experimentados pelo devoto quando sua alma é arrebatada pelo êxtase do
encontro com a Personalidade Divina. Certamente esses estudiosos se
mostrarão tocados pelo uso da linguagem amorosa que ocorre entre os
místicos da tradição vaisnava, fenômeno que revela uma notável
coincidência com os grandes místicos do ocidente, como Santa Teresa de
Avila e São João da Cruz. Isso sem falar do emprego da mesma linguagem
em outras correntes da espiritualidade oriental, como os tantrismos
hinduísta e budista. Os intérpretes de tendência freudiana ou
simplesmente materialista justificarão esse fenômeno explicando a
mística como um desvio ou uma sublimação do amor sexual humano. O
místico seria, de acordo com essa interpretação, “um amante que se
desconhece”. Quero lembrar aqui o belíssimo livro de Denis de Rougemont,
L Amour et I’Occident, em que a linguagem erótica dos trovadores
provençais da Idade Média é explicada a partir das experiências místicas
da seita herética dos cátaros. Dessa forma, a proposição
materialista-freudiana é invertida na medida em que constatamos que o
amante profano é que é um “místico que se desconhece”, e não o
contrário. A mesma explicação cabe no caso da linguagem amorosa da Gesta
de Krsna e de todo o simbolismo pretensamente erótico da arte tântrica.
O amor humano aqui é uma mera linguagem que procura expressar o
extático encontro entre a pessoa humana e a Personalidade Divina, um
pálido modelo do Supremo Amor que une a alma a Deus.
O
especialista em Fenomenologia das Religiões também encontrará amplo
material para reflexão nestas páginas. Encontrará nas descrições
simbólicas e dramatizadas das diferentes facetas da personalidade de
Krsna inúmeras coincidências com a descrição do Sagrado e dos
sentimentos que inspira no homem — amor, devoção, espanto, terror, etc. —
feita por estudiosos como Rudolf Otto e Mircea Eliade. Constatará ainda
a presença dentro do hinduísmo de uma tradição mística monoteísta em
que, à semelhança da tradição cristã, a alma humana não se
despersonaliza para se fundir com um Absoluto Impessoal, permanecendo
eternamente individualizada, embebida na suprema alegria do encontro
amoroso com a Personalidade Divina. Compreenderá então a extrema
complexidade da tradição hinduísta, que não comporta interpretações
apressadas e simplificadas, como aquela tão comum entre os
vulgarizadores ocidentais que, inspirados pela tradição vedântica de
Sankara, julgam que todo o hinduísmo se resume numa mística
impersonalista e panteísta, em que a alma pessoal, vista como uma ilusão
ou maya, dissolve-se no Brahman ou Absoluto Impessoal no momento
da Suprema Libertação. Cumpre ainda destacar os aspectos lúdicos da
mística vaisnava, com suas menções aos “passatempos” e
“brincadeiras” de Krsna, que contrastam vivamente com a atmosfera
sisuda e austera que caracteriza a maior parte da tradição espiritual
cristã. O encontro da alma com Deus, sendo a Suprema Alegria, também
pode ser manifestado através de uma brincadeira gostosa e descontraída. O
místico não precisa ser um sujeito fechado e intratável, sempre batendo
no peito com a cara amarrada. O vedantismo impersonalista também encara
o universo como lila, uma brincadeira cósmica em que o Absoluto
brinca de esconde-esconde consigo mesmo, manifestando-se através de uma
multiplicidade infinita de seres.
Em
suma, recomendamos a leitura deste livro a todos os pesquisadores
sinceros que desejam conhecer o hinduísmo a partir das fontes vivas da
tradição, e não através das visões unilaterais ou deformadas de intérpretes ocidentais mal informados ou preconceituosos.
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