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Do Blog Volta ao Supremo. Cortesia BBT Brasil. Leia outros artigos em www.voltaaosupremobr.wordpress.com.
Radharani,
o Lado Feminino de Deus
Satyaraja Dasa
O entendimento vaisnava da Verdade Absoluta responde à pergunta: “Deus é masculino ou feminino?”.
A compreensão vaisnava da Verdade Suprema fornece uma resposta satisfatória para a pergunta “Deus é masculino ou feminino?”.
Essência da beleza e da relação,
Quintessência da compaixão e bem-aventurança,
Corporificação da doçura e do brilho,
Epítome da arte, da graciosidade no amor:
Que minha mente se refugie em Radha,
A quintessência de todas as essências.
– Prabodhananda Sarasvati
Minha
irmã Carol se tornou uma feminista radical nos últimos anos. Eu
acompanhei seu desenvolvimento. Depois de ter devorado um livro após o
outro sobre patriarcalismo e sociedades construídas por machistas, ela
veio me procurar – seu irmão, que adora um Deus “masculino” –, vítima de
filósofos sexistas, ludibriado por homens sem consideração pelas
mulheres. Em outras palavras, ela sabia que eu adorava Krsna, que é
claramente masculino, e isto era suficiente para ela me colocar em pé de
igualdade com aqueles que diminuem as mulheres. Ela ficou um pouco
confusa, todavia, quando viu que eu não a contra-ataquei como machista,
e, apesar de minha adoração a um Deus masculino, eu não diminuía as
mulheres. Ela se deu conta que eu era lúcido demais para ser confrontado
diretamente.
“Por
que você adora aquele garoto azul Krsna?”, ela perguntou. “Por que você
imagina Deus como masculino? Por que não imaginar Deus como feminino?”.
“Bom”,
eu respondi rápido e irritado, como se uma conversa de dois minutos
pudesse resumir a perspectiva teológica de uma pessoa: “Ele é Deus”. “E
além do mais”, eu adicionei, “nós não imaginamos Deus como queremos.
Aprendemos sobre Ele a partir das fontes autorizadas, as escrituras,
sejam os Vedas, da Índia, ou escrituras ocidentais, como a Bíblia e o Corão”.
“Como
você pode saber?”, ela perguntou. “Talvez esses livros estejam
enrolando você. Eu diria que Deus teria de ser a mulher suprema, com
toda a sensibilidade e elegância que isso implica”.
“Mas isso não é sexismo, apenas vindo da direção oposta?”.
Eu esperei que aquela pergunta a fizesse pensar duas vezes.
“Se,
por fim, Deus fosse a mulher suprema, isso não deixaria o homem fora da
equação? Não se estaria dizendo que a forma da mulher é melhor do que a
forma do homem? Você seria culpada por aquilo que você culpa a religião
patriarcal”.
Depois de uma pausa, ela retrucou: “Mas você continua dizendo que Deus é homem...”.
“Primeiramente”,
eu a interrompi, “de acordo com a consciência de Krsna, Deus é tanto
masculino quanto feminino. Não é uma visão mais igualitária de Deus?”.
“Bom,
talvez – se for verdade”, ela disse ainda descrente de uma tradição (e
de um irmão) que ela havia se treinado para ver como sexista.
“Veja
bem”, eu disse, “Krsna é descrito como Deus na literatura védica porque
Ele tem todas as qualificações de Deus. Por que você sabe que o
presidente dos Estados Unidos é o presidente? Porque ele tem as
qualificações do presidente. Ele tem certas credenciais. Não é que você
possa simplesmente ‘imaginar’ que alguém é o presidente e então – puf!
– ali está o presidente. Não. Assim, se você estudar Krsna seriamente,
você verá que Ele possui todas as opulências: força, beleza, riqueza,
fama, conhecimento e renúncia. Qualquer um que tenha todas as essas
qualidades em plenitude é Deus”.
Ela
estava ficando agitada. Ela já me ouvira falar aquela definição de Deus
e pensou que eu estava fugindo do assunto de Deus ser feminino.
“Mas
a consciência de Krsna vai além”, eu continuei. “Radharani é a
manifestação feminina de Deus. Ela é a mulher suprema. Então, vemos Deus
tanto como masculino quanto como feminino”.
A Carol sorriu. Ela tinha uma carta atrás da manga.
“Se vocês reconhecem que Deus é tanto masculino quanto feminino, por que o principal mantra de vocês – aquela oração que você canta o tempo todo – é focado em Krsna, o aspecto masculino de Deus?”.
O “Ela” do Maha-mantra
O que minha irmã não sabia era que o maha-mantra é uma oração primeiro a Radha, e depois a Krsna.
“Você conhece o mantra que eu canto, sobre o qual você está falando?”
Ela o recitou: “Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna Krsna, Hare Hare/ Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare”.
Eu fiquei feliz em ver que ela sabia o mantra.
“Você sabe o que significa Hare?”.
“Não”, ela admitiu.
“É
uma forte súplica a Radha. Por ‘Hare’, nós nos referimos à mãe Hara,
outro nome de Radha, de forma suplicante. ‘Hare’ é a forma vocativa de
‘Hara’. Basicamente, o mantra está pedindo à mãe Hara, Radha, que ‘por favor, ocupe-me no serviço ao Senhor’”.
“Quer dizer que o cantar de Hare Krsna é uma oração à forma feminina de Deus?”.
“Perfeito”.
Aquilo chamou sua atenção.
“Diga-me uma coisa”, ela disse com sua crescente curiosidade, “o que significa a palavra ‘Radha’?”.
“Significa ‘aquela que melhor adora Krsna’”.
“Aha!”, minha irmã disse com o dedo indicador em riste. “Então Radha não é Deus. Se Ela é a melhor adoradora de Krsna, ela é obrigatoriamente distinta dEle!”.
“Isso não é verdade”, eu disse. “Deus é a pessoa que faz tudo melhor. Como Krsna diz no Gita,
Ele é o primeiro e o melhor em todos os campos. Das montanhas, Ele é o
Himalaia; dos corpos d’água, Ele é o oceano, e assim por diante. Então,
dos adoradores dEle, Ele também é o melhor – a melhor. Quem poderia
adorar Krsna melhor do que Ele mesmo? Ninguém. Dessa maneira, Ele Se
manifesta como Radha, Sua forma feminina, e mostra que Ele é Seu melhor
adorador. Como Radha, Ele é o Deus adorador, e, como Krsna, Ele é o Deus
adorado. Ambos igualmente excelentes”.
“Hmm. Fale-me mais”, ela disse.
“Tudo bem, mas pode ficar um pouco técnico”, eu disse. “Do ponto de vista vaisnava, ou da consciência de Krsna, a energia feminina divina (shakti) implica uma fonte de energia divina (shaktiman). Assim, quando a deusa se manifesta nas várias tradições vaisnavas,
ela sempre tem uma contraparte masculina. Sita se relaciona com Rama;
Laksmi corresponde a Narayana; Radha com Krsna. Uma vez que Krsna é a
origem de todas as manifestações de Deus, Sri Radha, Sua consorte, é a
fonte de todas as shaktis, ou energias. Ela é, portanto, a Deusa original”.
“O vaisnavismo pode ser visto como uma espécie de shaktismo, no qual a purna-shakti,
a mais completa forma da energia feminina divina, é adorada como o
aspecto mais proeminente da divindade, até mesmo eclipsando o Supremo
masculino em alguns aspectos. No sri vaisnavismo, por exemplo, Laksmi
(uma expansão primária de Sri Radha) é considerada a divina mediatriz,
sem a qual o acesso a Narayana não é possível. Em nossa tradição da
consciência de Krsna, Radha é aceita como a Deusa Suprema porque Ela
controla Krsna com Seu amor. Vida espiritual perfeita só é obtenível por
Sua graça”.
“Na tradicional literatura vaisnava,
Krsna é comparado ao Sol, e Radha, ao brilho solar. Ambos existem
simultaneamente, mas um vem do outro. Ainda assim, dizer que o Sol
existe antes do brilho solar é incorreto – tão logo existe Sol, existe
brilho solar. E o mais importante: o Sol não tem significado sem brilho
solar, sem calor e luz. E calor e luz não existiriam sem o Sol. O Sol e o
brilho solar, portanto, coexistem, um igualmente importante para a
existência do outro. Pode-se dizer, então, que são simultaneamente unos e
distintos. Eles são, em essência, uma única entidade – Deus – que se
manifesta como dois indivíduos distintos com o objetivo de se
relacionarem interpessoalmente.
“Deixe-me ler algo sobre isso para você no Caitanya-caritamrta [Adi-lila 4.95-98]:
‘O Senhor Krsna encanta o mundo, mas Sri Radha encanta até mesmo Krsna.
Assim, Ela é a Deusa Suprema de tudo. Os dois não são diferentes, como
evidenciam as escrituras reveladas. E, ao mesmo tempo, são unos, assim
como o almíscar e sua essência são inseparáveis, ou como o fogo e seu
calor não são diferentes. Enfim, Radha e Krsna são um, embora tenham
aceitado duas formas para desfrutarem de um relacionamento”.
“Mas Krsna continua sendo a fonte. Ele é predominante”.
“Apenas em um sentido”, eu disse. “Em termos de tattva, ou ‘verdade filosófica’, Ele é predominante. Em termos de lila, ou ‘divinas atividades amorosas’, entretanto, Radha predomina sobre Ele. E lila é algo considerado mais importante do que tattva”.
Carol estava deslumbrada.
“Eu não tinha a menor ideia de tudo isso”, ela disse.
“Poucas
pessoas têm”, eu disse a ela. “É por isso que os devotos trabalham duro
na distribuição dos livros de Prabhupada – queremos que este
conhecimento seja de todos”.
Carol me prometeu que iria começar a experimentar o maha-mantra
e que nunca mais julgaria prematuramente uma religião, especialmente a
consciência de Krsna. Também me pediu por uma oração que se focasse na
posição suprema de Radharani, algo que ela pudesse cantar para se
lembrar de que a consciência de Krsna reconhece – até mesmo enfatiza –
uma forma feminina de Deus. Eu pensei por um instante e, então,
compartilhei com ela um mantra composto por Bhaktivinoda Thakura, um grande mestre espiritual do começo do século XX:
atapa-rakita suraja nahi jani
radha-virahita krishna nahi mani
radha-virahita krishna nahi mani
“Assim como não há tal coisa como Sol sem calor e luz, eu não aceito um Krsna que está sem Sri Radha!”. (Gitavali, Radhashtaka 8)
Carol
estava deslumbrada. Ela me revelou em confidência que há muito orava
por uma tradição religiosa que não fosse sexista, que reconhecesse uma
forma feminina do Divino. É claro que ela não estava plenamente
convencida que Radha era essa religião, mas ela já estava, agora,
desejosa de ouvir, já se abrira um pouco à consciência de Krsna. Ela
estava inclinada a começar com as práticas de base, como o cantar e a
leitura dos livros de Srila Prabhupada. Ali estava uma tradição que
finalmente parecia atender a sua demanda, que satisfaria suas
necessidades feministas. Radharani era o sonho da minha irmã que se
tornava realidade – a resposta a uma prece feminista.
A Melhor das Gopis
Sri Radha é, dentre todas as gopis
– vaqueiras namoradas do Senhor Krsna – a original. Ela é capaz de
comprazer a Krsna com apenas um olhar de relance. Ainda assim, Radha
sente que Seu amor por Krsna pode se tornar sempre mais grandioso,
portanto Ela se manifesta como as diversas gopis de Vrndavana, que satisfazem o desejo de Krsna por relacionamentos ricos em variedade (rasa).
As gopis são consideradas o kaya-vyuha
de Sri Radha. Não existe uma palavra nas línguas modernas equivalente a
este termo, mas ele pode ser explicado da seguinte maneira: Se uma
pessoa pudesse existir simultaneamente em mais de uma forma humana,
aquelas formas seriam chamadas o kaya (“corpo”) vyuha
(“multiplicidade de”) daquele determinado indivíduo. Em outras palavras,
é a mesma pessoa, mas ocupando diferentes espaços e tempos com
diferentes humores e emoções. Como a única razão da existência de Radha e
Krsna é a troca de sentimentos amorosos, as gopis existem para auxiliá-lOs nesse amor.
As gopis são divididas em cinco grupos, o mais importante sendo o parama-preshtha-sakhis, as oito gopis
primárias: Lalita, Vishakha, Citra, Indulekha, Campakalata, Tungavidya,
Rangadevi e Sudevi. Muitos detalhes de suas vidas e serviço – incluindo
a idade, o humor, o aniversário, temperamento, instrumento, cor da
pele, nome dos parentes, melodia favorita, melhores amigas e outras
informações de cada uma delas – são descritos nas escrituras vaisnavas. Esses elementos formam a substância de uma meditação interna, ou sadhana, projetada de forma a levar o devoto para o reino espiritual. Através desta meditação, gradualmente se desenvolve prema,
amor por Krsna. Essa forma avançada de contemplação, todavia, deve ser
feita apenas por devotos avançados sob a guia de um mestre autêntico.
Tal nível é raramente alcançado. É, portanto, recomendado que se
pratique o cantar do santo nome e que se aceite o caminho regulado de vaidhi-bhakti
– ou a prática da devoção sob estritas regras e regulações – como é
ensinado no movimento para a consciência de Krsna. Assim se alcançará
naturalmente o nível mais elevado de consciência espiritual.
A tradição vaisnava na linha do Senhor Caitanya vê, claramente, o amor das gopis
como amor transcendental da mais alta estirpe, retaliando acusações de
sexualidade mundana com claras definições distinguindo luxúria e amor.
Assim como o conceito da Noiva-de-Cristo na tradição cristã e o conceito
cabalístico do Divino Feminino do misticismo judaico, a verdade por
trás do amor das gopis é de profunda natureza teológica e constitui o zênite da compreensão espiritual. O amor das gopis
representa o amor mais puro que uma alma pode ter por sua origem
divina; a única relação que tal amor talvez tenha com a luxúria mundana é
a aparência, aparência esta que é desfeita tão logo se estude os livros
deixados pelas autoridades puras e autorrealizadas acerca destes
tópicos tão queridos ao coração.
Leia mais sobre Radharani e as gopis nas obras:
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