a) Bom, primeiramente sinto dizer... mas não há muito isso de "desencarne suave". Nos temos há impressão que existe isso (especialmente em mortes por velhice), até lermos o 5º Canto do Srimad Bhagavatam, que conta detalhes das transformações corpóreas e mentais por que passa o corpo grosseiro e sutil na hora do tal desencarne "suave" por velhice ou doença, e como a alma corporificada condicionada, se identificando com essa situação "violenta" por natureza (nenhuma alma condicionada aceita encarar isso "na boa"), se angustia na hora de, como dizemos, ter que "abandonar o corpo" (a maioria, literalmente à força mesmo).
Uma alma autorealizada (autorealização significar conhecer a si mesmo, entender-se como alma espiritual, servo eterno de Krishna) passa pelas mesmas coisas, mas como controla a mente e os sentidos (é um yogi, e portanto não é controlada pelos sentidos, mas sim os controla), não se "identifica" com essa situação toda, e se mantem fixa em Krishna.
Aliás, de acordo com o entendimento védico, assim como a alma nunca morre, o corpo nunca está vivo. "Vida" é um sintoma da entidade viva (alma espiritual), e quando a alma não está mais presente, o corpo não mais apresenta "sintomas" de vida (a esse respeito leia o livro "A Vida Vem da Vida").
b) Para uma alma condicionada é inauspiciosa uma morte súbita, porque ela não tem tempo para corrigir sua atitude (descondicionar e se render a Krishna) antes de abandonar o corpo. Em uma morte lenta ou anunciada (como foi previamente anunciada a morte de Pariksit Maharaja - veja o Srimad Bhagavatam), a pessoa pode, entre o momento em que se constata que a morte é iminente, e o momento de efetivamente abandonar o corpo, uma série de ajustes tais como recomendações, pedidos de perdão, distribuição de heranças, concentração em Deus, canto dos Santos Nomes e uma infinidade de coisas que permitirão que ela se sinta "com a missão cumprida", sem pendências para com este mundo, e adequadamente preparada para seu próximo destino (seja lá qual for o que deseje).
c) Srila Prabhupada, embora não tivesse nada por que se desculpar, e já tivesse deixado tudo encaminhado e devidamente orientado ao logo dos anos de formação da ISKCON, ainda assim, como Fundador e Acharya de nossa Sociedade, deu também esse exemplo de como partir desse mundo "suavemente": Embora internamente estivesse sentindo, naturalmente, dores, desconfortos e fraquezas devido a doença e a velhice, não se queixava, e só pensava em seus discípulos e em Krishna (a esse respeito, leia sobre a partida de Srila Prabhupada no Prabhupada Lilamrita, capítulos finais).
d) Para uma alma autorealizada, que está sempre ocupada, interna e externamente, em pensar em Krishna, e que nunca se esquece de Krishna, o abandonar o corpo pode ocorrer em qualquer momento ou forma, porque ela está sempre desapegada deste mundo e apegada ao serviço devocional a Krishna. E como nesse mundo ela serve a Krishna, e no próximo continuará servindo a Krishna, tanto faz servir aqui ou em outro lugar qualquer que Krishna deseje, e o serviço devocional traz toda a autosatisfação que ela possa almejar, aqui ou lá. Inclusive, esse "lá" nem precisa ser no Mundo Espiritual, pois o devoto não é salvacionista, ele é "bhaki-yoguista" - servo amoroso eterno de Krishna.
e) Também não existe muito disso de "para os devotos do Senhor o desencarne é bem suave..." [no sentido de ser sempre bem suave]. Vamos encontrar nas escrituras devotos abandonando o corpo nas mais diversas circunstâncias, desde uma morte tranquila por velhice, até lutas, incêndios e doenças. E, inclusive, devotos nem mesmo abandonando o corpo, mas tendo seu corpo transmutado em espiritual sem qualquer mudança aparente. Ou seja, assim como não há regras rígidas para cantar o maha-mantra Hare Krishna, também não há regras rígidas para abandonar o corpo, mesmo sendo devoto. :-)
e) Por fim, existe a impressão que uma morte súbita como a de Aindra Prabhu foi violenta e sofrida, mas como comentado antes, uma morte lenta por velhice não é tão tranquila como possa parecer. De qualquer forma, se queremos imaginar o que Aindra Prabhu sentiu na hora, por que ser necessariamente pessimista? Ele estava prestando reverências e neste estado ficou. Não é muito mais sensato pensar que, se ele tivesse sequer ouvido o estrondo da explosão, ou sentido seu corpo queimar, ele teria, de súbito, saído dessa posição? Não seria uma reação mais natural, espontânea e ato reflexo?
Ora, Aindra Prabhu estava vivendo em Vrindavana, que não é diferente de Goloka Vrindhavana (inclusive, Nova Gokula, Gaura Vrindavana, Vrajabhumi, Vrajadhama, Paraíso dos Pandavas e quaisquer outras comunidades, templos e centros da ISKCON também não são diferentes da Goloka Vrindhavana no Mundo Espiritual). Então, nem Puspa Vimana (aeroplano de flores) precisava para levá-lo ao Mundo Espiritual. Não é muito mais espiritualmente sensato imaginar - se for para imaginar o que ele sentiu - que quando ele terminou de prestar reverências, ao invés de ver um quarto e corpo queimados, viu o estonteante bosque de Vrindhavana, e Srila Prabhupada e suas "deidades", em suas formas originais de Gauranga e Nityananda, o chamando, apressados, para um kirtana? Imagine que agradável surpresa se ver, de repente, no seu próprio corpo espiritual, e diante de seus amados Senhores! Hare Krishna!!
É isso. Esperando também ter ajudado a esclarecer as dúvidas,
E a disposição para quaisquer outras questões,
Vosso servo, :-)
Gopala Dasa (HDG)
Recife-PE - Brasil
22 de julho de 2010.
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