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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Radharani - O Aspecto Feminino de Deus


Dia 15 de Setembro 'aniversário' de Srimati Radharani

Radharani - O Aspecto Feminino de Deus

Por Satyaraja Dasa

Traduzido por Bk. Carlos Henrique (Teresópolis)

Essência de beleza e relação,

Quintessência de bem-aventurança e compaixão,

Corporificação da doçura e esplendor,

Síntese da astúcia e graciosidade no amor:

Possa minha mente refugiar-se em Rhada,

Quintessência de todas as essências.

- Prabodhananda Sarasvati

Nos últimos anos, minha irmã Carol tornou-se uma feminista radical. Eu acompanhei este processo. À medida que devorava livro após livro sobre os fracassos do patriarcado e das sociedades dirigidas por homens, ela passou a ver-me – a seu irmão que era devoto de um Deus “masculino” – como uma vítima dos filósofos sexistas, ludibriado por homens com pouco respeito pelas mulheres. Em outras palavras, ela sabia que eu era devoto de Krishna, que certamente é um homem; isto era suficiente para colocar-me no grupo daqueles que menosprezavam as mulheres. No entanto, Carol sentia-se confusa por perceber que eu não costumava usar frases machistas de duplo sentido, que apesar da minha devoção a um Deus masculino eu era justo e sensato, pois não depreciava as mulheres. Ela concluiu que eu era bastante inteligente para confrontar-me diretamente.

“Por que você é devoto deste rapazinho azul, Krishna?”, ela perguntou. “Por que afinal ver Deus como homem? Por que não imaginar Deus como mulher?”

“Bem”, eu respondi rapidamente sentindo-me incomodado, como se uma conversa de dois minutos pudesse resumir a perspectiva teológica de alguém, “Ele é Deus.” “Além disto”, acrescentei, “nós não ‘imaginamos’ Deus ao nosso próprio gosto. Aprendemos sobre Ele em fontes autorizadas, as escrituras, sejam os Vedas da Índia, ou as escrituras do ocidente como a Bíblia ou o Alcorão.”

“Mas como você tem certeza?”, ela perguntou. “Pode ser que estes livros estejam enganados. Eu diria que Deus deveria ser a mulher suprema, com toda a sensibilidade e educação que isto implica.”

“Mas isto não seria sexismo, direcionado em sentido oposto?”

Eu esperava que minha pergunta a fizesse pensar duas vezes.

“Enfim, se Deus é a mulher suprema, isto não deixaria os homens fora da equação? Isto não seria o mesmo que dizer que a forma feminina é melhor do que a masculina? Você seria acusada pelo mesmo erro que atribui à religião patriarcal.”

Depois de uma pausa, ela replicou:

“Mas você ainda diz que Deus é masculino...”

Interrompendo sua fala, afirmei:

“Antes de qualquer coisa, de acordo com a consciência de Krishna, Deus é masculino e feminino. Esta não seria uma visão mais igualitária de Deus?”

“Bem, pode ser – se isto for verdade”, ela acrescentou, ainda céptica quanto a uma tradição (e ao seu irmão) que ela tinha sido treinada a ver como sexista.

“Veja”, eu disse, “Krishna é descrito como Deus na literatura Védica porque Ele tem todas as qualificações de Deus. Como você sabe que o Presidente dos Estados Unidos é o presidente? Porque ele tem as qualificações do Presidente. Ele tem algumas credenciais. Você não pode simplesmente ‘imaginar’ que alguém é presidente e então – puff! – ele é o Presidente. Não. Assim, se você estudar Krishna cuidadosamente, verá que Ele tem todas as opulências em plenitude: força, beleza, riqueza, fama, conhecimento e renúncia. Qualquer pessoa que tiver todas estas qualidades em plenitude é Deus.”

Carol estava ficando inquieta. Antes, já tinha ouvido esta definição apresentada por mim e achava que eu estava fugindo do assunto de ver Deus como mulher.

“Mas a consciência de Krishna vai além”, continuei. “Radharani é a manifestação feminina de Deus. Ela é a mulher suprema. Portanto, entendemos Deus como homem e mulher.”

Carol sorriu. Ela tinha algo escondido sob a manga.

“Se você aceita que Deus é homem e mulher, por que seu mantra principal – esta oração que você fica cantando o dia inteiro – realça Krishna, o aspecto masculino de Deus?”

O “ELA” DO MAHA-MANTRA

O que minha querida irmã não sabia era que o maha-mantra é uma oração primeiro a Radha, depois a Krishna.

“Você conhece o mantra que eu canto, este ao qual você se referiu?”

Ela recitou: “Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare/ Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare.”

Fiquei satisfeito por saber que ela o conhecia.

“Você sabe o que significa Hare?”

“Não”, ela admitiu.

“É uma súplica vigorosa a Radha. Ao cantarmos “Hare”, suplicamos à Mãe Hara, que é um outro nome de Radha. Hare é a forma vocativa de Hara. Basicamente, o mantra chama pela Mãe Hara, ou Radha. ‘Por favor, aceita-me no serviço ao Senhor’”.

“Você quer dizer que o mantra Hare Krishna é uma oração ao aspecto feminino de Deus?”

“De forma alguma.”

Isto lhe chamou a atenção.

“Diga-me”, ela disse, cada vez mais curiosa, “o que significa a palavra Radha?”.

“Significa ‘a melhor devota de Krishna’”.

“Aha!”, minha irmã acrescentou com ar sarcástico. “Então, Radha não é Deus. Se Ela é a melhor devota Krishna, então certamente é diferente d’Ele!.”

“Isto não é verdade”, eu disse. “Deus é a pessoa que melhor faz tudo. Como Krishna afirma no Gita, Ele é o primeiro e melhor em todas as áreas. Entre as montanhas, Ele é o Himalaia, dentre os mares Ele é o oceano, e assim por diante. Portanto, dentre os seus devotos, Ele também é o melhor. Quem poderia melhor reverenciá-lo, senão Ele próprio? Ninguém. Assim sendo, Ele manifesta-se como Radha, seu aspecto feminino, demonstrando que Ele é o melhor devoto de si próprio. Como Radha, Ele é o Deus devoto, como Krishna Ele é o Deus a quem se devota, ambos por excelência.”

“Humm... Fale-me mais”, ela disse.

“Ok, mas isto pode ficar um pouco técnico”, eu disse. “De acordo com o ponto de vista Vaishnava, ou consciência de Krishna, a energia feminina divina (shakti) pressupõe uma fonte de energia divina (shaktiman). Assim, como se evidencia nas várias tradições Vaishnavas, a Deusa sempre tem uma contraparte masculina. Sita relaciona-se com Rama; Laksmi corresponde a Narayana; Radha com Seu Krishna. Como Krishna é a fonte de todas as manifestações de Deus, Sua consorte é a fonte de todas as shaktis, ou energias. Portanto, Ela é a Deusa original”.

“O Vaishnavismo pode ser entendido como um tipo de shaktismo, no qual purna-shakti, ou a forma mais completa da energia feminina divina, é reverenciada como o aspecto principal da divindade, eclipsando até mesmo o Supremo masculino sob alguns aspectos. Por exemplo, no Shrivaishnavismo, Laksmi (uma expansão primária de Sri Radha) é considerada o mediador divino, sem o qual não se pode ter acesso a Narayana. Em nossa tradição da consciência de Krishna, Radha é reconhecida como a Deusa suprema, porque Ela controla Krishna com Seu amor. A perfeição da vida espiritual não pode ser conseguida sem Sua graça”.

“Na literatura Vaishnava tradicional, Krishna é comparado ao sol e Radha ao brilho solar. Ambos existem simultaneamente, mas um provém do outro. Ainda assim, estaríamos errados se disséssemos que o sol existe antes do brilho solar – pois logo que o sol aparece, surge seu brilho. O mais importante é que o sol não tem sentido sem seu brilho, sem calor e luz. Por outro lado, não existiriam calor e luz sem sol. Portanto, o sol e seu brilho coexistem, cada qual sendo igualmente importante para a existência um do outro. Pode-se dizer que são, ao mesmo tempo, iguais e diferentes.”

“Da mesma forma, a relação entre Radha e Krishna é de identidade inconcebível na diferença. Em essência, ambos são uma entidade única – Deus -, que se manifesta sob a forma de duas pessoas diferentes para que haja troca interpessoal”.

“Deixe-me ler algo sobre isto no Caitanya-caritamrta [Adi-lila 4.95-98]: ‘O Senhor Krishna encanta o mundo, mas Sri Radha encanta até Ele próprio. Portanto, Ela é a Deusa suprema de todos. Sri Radha é o poder pleno e Krishna é o detentor de todo o poder. Os dois não são diferentes, como se evidencia nas escrituras reveladas. Na verdade, ambos são o mesmo, assim como o almíscar e seu perfume são inseparáveis, ou o fogo e seu calor são indistinguíveis. Desta forma, Radha e Krishna são um, embora tenham assumido duas formas para desfrutar de uma relação.’”

“Apesar disto, Krishna ainda é a fonte. Ele predomina.”

“Apenas em certo sentido, acrescentei. “Em termos de tattva, ou ‘verdade filosófica’, Ele predomina. Mas em termos de lila, ou “atividade amorosa de Deus’, Radha predomina sobre Krishna. E lila é considerada mais importante do que tattva.

Carol estava fascinada.

“Eu não fazia idéia”, afirmou.

“Poucas pessoas fazem”, disse-lhe. “Esta é a razão pela qual os devotos trabalham duro para distribuir os livros de Prabhupada – queremos que este conhecimento chegue às pessoas.”

Carol prometeu-me que começaria a experimentar o maha-mantra e nunca mais julgaria precipitadamente uma religião, especialmente a consciência de Krishna. Além disto, pediu-me uma oração que enfatizasse a posição suprema de Radharani, algo que pudesse cantar para se lembrar que a consciência de Krishna reconhece – e até mesmo enfatiza – o aspecto feminino de Deus. Pensei por um momento e, então, ensinei-lhe um mantra composto por Bhaktivinoda Thakura, que foi um grande mestre espiritual do início do século XX.

atapa-rakita suraja nahi jani

radha-virahita krsna nahi mani

“Assim como não pode haver sol sem calor ou luz, não aceito um Krishna que não tenha Sri Radha!” (Gitavali, radhastaka 8).

Carol ficou emocionada e confidenciou-me que há muito tempo aspirava por encontrar uma tradição religiosa que não fosse sexista, que reconhecesse uma forma feminina da Divindade. Evidentemente, ela não estava totalmente convencida de que isto era assim, mas agora desejava escutar, dar uma chance para a consciência de Krishna. Ela queria começar com algumas práticas rudimentares, por exemplo, cantar e ler os livros de Srila Prabhupada. Eis uma tradição que finalmente parecia atender às expectativas, ou seja, satisfazer suas necessidades como feminista. Radharani era o sonho de minha irmã, que se tornou realidade – uma resposta à prece de uma feminista.

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